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19 de Abril de 2024

“aberratio ictus, delicti e causae”: semelhanças e diferenças

há 12 anos

Tema recorrente em provas, concursos e na prática jurídica, os chamados Crimes Aberrantes proporcionam grande incidência de questões, haja vista a vasta doutrina sobre o assunto.

Inicialmente, não se pode esquecer que as modalidades de Aberratio[1] estão diretamente relacionadas com o erro, o qual pode ser compreendido como a falsa percepção de uma realidade. Assim, uma pessoa erra ao confundir um golfinho com um tubarão, por exemplo.

No âmbito penal, nosso CP trouxe, em seu artigo 20, a exata definição do erro incidindo no Direito: é o conhecido erro de tipo. Aqui, o agente erra sobre elemento constitutivo do tipo legal, implicando tal fato na exclusão do dolo, muito embora possa ser responsabilizado por crime culposo, desde que a modalidade culposa esteja devidamente prevista em lei.

A título de exemplo, imagine-se um usuário de drogas que compra um pote de açúcar, acreditando adquirir um de cocaína. O erro, aqui, incide sobre o elemento constitutivo do tipo penal drogas. Como não há previsão de tráfico culposo, resta atípica a conduta.

Da mesma forma, alguém que, em um estacionamento, destrava um carro que acredita ser seu, dá a partida e se retira do local. Posteriormente, vem a perceber que, na verdade, não se tratava de seu veículo, mas sim, outro, de propriedade de terceira pessoa. Ou aquele que, distraidamente, ao sair de um restaurante, apanha o guarda-chuva de outra pessoa, como aconteceu comigo certa vez. Nestes casos, o agente não cometeu o crime de furto, porque errou sobre a elementar alheia (“subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”): vale dizer, o agente errou sobre um elemento constitutivo do tipo penal (alheia) ao acreditar ser o veículo ou o guarda-chuva de sua propriedade.

Assim, o artigo 20, CP, traz o denominado erro de tipo essencial: recai sobre os elementos essenciais do tipo penal (são as chamadas elementares).

Não obstante, não se pode esquecer que há também o erro de tipo acidental, qual seja, aquele que incide sobre elementos acidentais, diversos das elementares. Logo, são os que recaem sobre as circunstâncias (qualificadoras, agravantes genéricas, causas de aumento de pena) ou fatores sem relevância para a figura típica.

As modalidades do erro de tipo acidental (que também exclui o dolo) são: erro sobre a pessoa; erro sobre o objeto; erro quanto às qualificadoras; erro na execução; erro sobre o nexo causal e resultado diverso do pretendido (essas três últimas são os chamados Crimes Aberrantes).

Obedecendo ao enfoque do presente estudo, o passo inicial é analisar o erro sobre o nexo causal, também chamado de Aberratio Causae, Dolo Geral ou Erro Sucessivo: pouco solicitada em provas e com raríssimas constatações na prática forense, a aberratio causae revela-se como sendo o erro no tocante ao meio de execução empregado pelo agente. Ou seja, o agente acredita ter matado a vítima de um modo, quando na verdade foi outro o meio por ele empregado e que causou a morte. Como o resultado prático é exatamente o mesmo (o agente será condenado por homicídio), a aberractio causae carece de relevância empírica.

Como exemplo, imagine-se a clássica situação em que o agente deseja matar seu desafeto e, para tanto, desfere-lhe um golpe na cabeça, que o faz desmaiar. Acreditando na morte da vítima, atira-a de cima de uma ponte, para esconder o cadáver, em direção ao rio que ali passa. Posteriormente, a vítima é localizada e, mediante exame necroscópico, constata-se que a causa da morte foi asfixia por afogamento: o agente será responsabilizado por homicídio, da mesma forma.

Já o resultado diverso do pretendido, comumente conhecido por Aberratio Criminis ou Aberratio Delicti, encontra-se previsto no artigo 74, CP e pode ser entendido como a situação em que o agente desejava cometer um crime, mas por erro na execução, acaba por cometer outro.

O também reiterado exemplo trazido pela doutrina é o do agente que deseja quebrar uma vidraça, arremessando uma pedra (art. 163, CP). Porém, por erro na execução, acaba por acertar uma pessoa que passava pela calçada, lesionando-a (artigo 129, CP). Como há previsão do crime de lesão corporal culposa, o agente será responsabilizado por esse crime de lesão.

Imperioso ressaltar que, na Aberratio Delicti, o resultado diverso pode se revelar sob duas espécies:

- Unidade Simples (resultado único): 1ª parte do artigo 74, CP. O agente responde pelo crime culposo, se previsto em lei. É o exemplo acima, da pedra acertando um transeunte. Se não houver previsão, conduta atípica (agente quer acertar a vítima, erra e acerta a janela. Conduta penalmente atípica).

- Unidade Complexa (Resultado Duplo): 2ª parte do artigo 74, CP: o agente atinge o bem jurídico desejado e também um diverso, culposamente. Imagine-se que o agente acerta a vidraça, mas também uma pessoa que estava atrás dela. Aplica-se a regra do concurso formal próprio de crimes (art. 70, caput, 1ª parte): impõe-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 até ½, a depender da quantidade de crimes praticados de forma culposa.

No caso de Unidade Complexa, se o resultado diverso caracterizar crime culposo menos grave ou não houver modalidade culposa prevista em lei, a regra acima mencionada será descartada. Como exemplo, imagine-se que o agente dispara uma arma de fogo contra a vítima, para matá-la, mas não a acerta e apenas quebra uma vidraça. Pela regra da Aberratio Delicti, o homicídio tentado seria absorvido pelo crime de dano e, como não há crime de dano culposo, sua conduta seria atípica.

Porém, conforme entendimento pacífico da doutrina, neste exemplo ao agente deve ser imputado o crime de homicídio tentado, posto ser descartada a regra supra, por não haver previsão de crime culposo de dano.

Por fim, o erro na execução, ou Aberratio Ictus, encontra previsão no artigo 73, CP e se define como sendo o erro na própria execução do crime, em que o agente erra a pessoa que desejava atingir.

Há uma pergunta que é sempre abordada em provas e concursos e que traz uma diferença tênue: qual a diferença entre o erro contra a pessoa e a aberratio ictus?

Com efeito, em ambos o agente erra quanto à pessoa que desejava atingir. Porém, no erro quanto à pessoa, o agente confunde a pessoa que queria atingir com outra. Por exemplo, o agente quer matar seu inimigo, que acredita estar em uma estação de trem, atira, mas acaba matando o irmão dele, que era gêmeo. Ou então, mata o sósia dele. Veja: o agente acertou a execução do crime, porém errou a pessoa que desejava atingir.

Já na Aberratio Ictus, ocorre justamente o contrário. O agente erra a execução do crime e, por isso, atinge pessoa diversa. Não há confusão, mas sim erro prático, na execução. Por exemplo, o agente deseja matar seu desafeto, sabe que é justamente o desafeto que se encontra em uma estação de trem, atira nele, mas acerta outra pessoa, por errar a mira. A diferença, em que pese sutil, é bastante nítida.

Neste caso, também se aplicam as regras da Unidade Simples e Complexa, acima explicitadas. A única diferença é a de que na Unidade Complexa, somente se admite o erro na execução se as pessoas forem atingidas culposamente. Caso haja dolo eventual, incide a regra do concurso formal impróprio (somam-se as penas).

Portanto, pode-se concluir que a Aberratio Delicti, Ictus e Causaesão espécies de erro na execução do crime, devendo o operador ou o estudante de Direito entender muito bem as regras de aplicação e, principalmente, as diferenças com institutos semelhantes, para evitar qualquer tipo de confusão e, assim, não incidir em nenhuma espécie de erro ao resolver uma questão.

[1] A palavra vem do latim, do ver aberrare, com o significado de errar longe, desviar-se do caminho, desviar o espírito ou a atenção, distração.

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3 Comentários

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Senhor publicador, em seu artigo, afirma-se que "as modalidades do erro de tipo acidental (que também exclui o dolo)'', todavia, o erro acidental não é um impedimento para o agente quanto a compreensão do caráter ilícito da sua conduta, desta forma, o erro acidental não exclui o dolo, conforme foi dito. continuar lendo

Bom artigo, só estranhei o autor desconhecer o parágrafo 6º do artigo 129, CP. continuar lendo

Renato Cardoso, eu ignorei esse trecho, certamente um erro dele. continuar lendo